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sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A POBREZA DAS NAÇÕES

A POBREZA DAS NAÇÕES

Estudar a pobreza? O interesse parece estranho. A preocupação dominante entre os economistas, há mais de 200 anos, tem sido a oposta, aquela mesma indicada no título do livro de Adam Smith: Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. O desafio, para ele e para a maior parte dos economistas de seu tempo, era mostrar por que algumas nações ou regiões se tornavam capazes de produzir e de acumular riquezas, enquanto outras permaneciam atrasadas. Esse interesse permaneceu dominante, nos séculos 19 e 20, entre os economistas preocupados com a dinâmica de longo prazo. A pobreza, supostamente, é algo conhecido, uma condição lamentável, mas sem mistério. Será, mesmo? Há algo deliberadamente provocante no relatório divulgado ontem pelo Banco Mundial (Bird). O primeiro capítulo é intitulado "A Natureza e a Evolução da Pobreza". O segundo, "Causas da Pobreza e um Esquema para Ação". As palavras natureza e causas não foram usadas de forma inocente. Estão lá, claramente, como reminiscência do texto smithiano, para lembrar que a pobreza também é um fenômeno complexo e desafiador, especialmente quando a privação é vista ao lado da abundância. Miséria não é escassez de riquezas, nem a fome resulta da insuficiência de comida ou da falta de meios para produzir alimentos.
Nunca se produziu tanto e nunca se dispôs de meios tão potentes para multiplicar bens de todos os tipos. Apesar disso, mostra o relatório, o combate à pobreza está longe das metas fixadas internacionalmente. Chegar a 2015 com a proporção de miseráveis de 1990 reduzida à metade é síntese dessas metas. Exemplo de resultado insatisfatório: para eliminar 50% da pobreza medida pela renda, o número de pobres deveria diminuir 2,7% ao ano entre 1990 e 2015. Entre 1990 e 1998, segundo os últimos dados, a redução foi de apenas 1,7% ao ano. Outro dado: a mortalidade infantil deveria ter caído 30% até 98, mas só diminuiu 10% - e tem aumentado em algumas áreas da África.
As crises financeiras dos anos 90 explicam apenas parte do fracasso. A maior parte das dificuldades é de outra natureza. Simplesmente não basta fixar metas, definir políticas e destinar bilhões de dólares anuais a programas de assistência e de desenvolvimento. Pobreza não é apenas falta de renda.
Quando se traçam linhas divisórias, para indicar quem vive com menos de US$ 1 ou US$ 2 por dia, por exemplo, apenas se aponta uma dimensão do problema.
A pobreza está associada a múltiplas carências e, com base nessa idéia, o Bird propõe três linhas de ação:
1) promover oportunidades. Isso inclui criação de empregos, oferta de financiamento, construção de estradas e de meios de comunicação, investimento em educação e saúde, programas de apoio a microempreendimentos, etc;
2) fortalecer as pessoas. No texto original aparece a palavra "empowerment", intraduzível de forma direta. O termo "empowerment" engloba tanto a criação de condições materiais, como acesso a oportunidades de mercado e a serviços públicos, quanto a alteração de condições políticas e organizacionais.
Envolve, por exemplo, estimular e facilitar a participação dos pobres nas decisões de interesse coletivo e aumentar sua capacidade de fiscalização e de cobrança. Em algumas áreas, pode incluir a remoção de barreiras étnicas e de gênero, abrindo, por exemplo, oportunidades de educação e de trabalho a minorias raciais e a mulheres; 3) aumentar a segurança. Pobres são mais vulneráveis a desastres de todos os tipos: sofrem mais com inundações, secas e terremotos, porque suas condições de moradia são piores; são mais sujeitos a adoecer, quando há epidemias; são mais duramente afetados quando ocorrem crises financeiras, como as dos últimos anos, ou quando há surtos de inflação ou escassez de empregos.
Não há, segundo os autores do relatório, hierarquia de importância entre essas linhas de ação, porque todos seus elementos são "profundamente complementares". Essas políticas, obviamente, podem compor complexos programas de desenvolvimento. Complexos porque não basta o crescimento econômico para a redução ou eliminação da pobreza. Este dado é especialmente claro quando se trata de sociedades com elevado grau de desigualdade econômica. A idéia de que o crescimento, mesmo com desigualdade, tende a proporcionar melhores condições de vida para todos é falsa. O relatório apresenta dados e argumentos mais que suficientes para sustentar esse ponto, além de indicar uma rica literatura sobre o assunto.
Dependendo de qual seja o quadro inicial da distribuição econômica, dificilmente os benefícios do crescimento atingirão certos grupos. A pobreza só será reduzida de forma significativa se os ganhos das camadas mais pobres aumentarem mais velozmente que a média. Isso pressupõe políticas especialmente desenhadas para a produção desse efeito. Desenhar essas políticas, no entanto, não é apenas um desafio técnico. É acima de tudo uma questão política e envolve, portanto, relações de poder.
Em 266 páginas de texto, quadros, tabelas e notas, esse é o dado mais saliente de todo o relatório. Hoje, a abordagem do problema da pobreza pelo Bird é mais ampla e mais complexa do que nunca. Mais do que nunca, no entanto, as limitações de sua política são explicitadas com o máximo realismo. O Bird parecia muito mais poderoso quando sua missão era financiar obras de infra-estrutura ou programas limitados, como os de educação e de saneamento.

Extraído de O Estado de São Paulo

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